A importação de criptoativos por brasileiros atingiu o recorde de US$ 1,751 bilhão em março, elevando o total do primeiro trimestre para US$ 4,689 bilhões, 118% a mais do que o registrado no mesmo período de 2023. Divulgados ontem pelo Banco Central (BC), os números são computados como compras no exterior, reduzindo o saldo comercial nos cálculos do balanço de pagamentos. Nos 12 meses encerrados em março, as importações de criptoativos ficaram em US$ 14,843 bilhões, depois de atingir US$ 12,3 bilhões no ano passado. O movimento se deu em um período de forte apreciação do preço do bitcoin, que subiu 68,8% nos primeiros três meses do ano.

Com esse fluxo crescente de saída de dólares, economistas e estrategistas vêm monitorando os números com maior atenção, uma vez que começam a reduzir com mais força o superávit da balança comercial. Enquanto o saldo registrado no primeiro trimestre pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex) ficou em US$ 19,1 bilhões, os dados do BC apontam para um superávit de US$ 12,5 bilhões – além das operações com criptoativos, a autoridade monetária computa aí as compras externas de pequeno valor e as importações de plataformas pelo Repetro (o regime aduaneiro destinado a compras e vendas de equipamentos para exploração de petróleo).

Os números dessas transações passaram a ser acompanhados com lupa uma vez que a robustez da balança comercial vinha sendo celebrada por investidores pela forte exportação de commodities.

Compra de criptoativos bate recorde1

Esse número de importação de criptoativos não é desprezível, pelo contrário, é um número bastante relevante, que já está pesando na balança”, diz o estrategista-chefe da Warren Investimentos, Sérgio Goldenstein. “Se tem uma saída de US$ 1 bilhão a US$ 2 bilhões por mês, você tem um peso considerável para a balança, porque reduz o fluxo comercial positivo.”

O montante crescente desperta atenção porque tal importação está ganhando peso no déficit da conta corrente brasileira. Os economistas do J.P. Morgan Cassiana Fernandez e Vinicius Moreira dizem, em nota, que no acumulado de 12 meses o déficit em conta corrente subiu de 1,2% em fevereiro para 1,5% do PIB em março, principalmente por conta da fraqueza da balança comercial. “As importações de criptoativos atingiram US$ 1,8 bilhão em março, recorde que fez com que essa linha específica [da conta corrente] apresentasse um déficit de 0,6% do PIB nos últimos 12 meses”, afirmam.

A compra de criptoativos por brasileiros é equivalente à importação de um bem, segundo norma do BC. A interpretação tem como base normas do Fundo Monetário Internacional (FMI), que entende que ativos digitais sem um passivo de uma contraparte emissora são classificados como não financeiros – ainda que parte dos investidores os vejam como opção de investimento financeiro e, em certos casos, até como reserva de valor.

Além disso, o processo de “mineração” pelo qual algumas moedas digitais como o bitcoin passam -no qual máquinas intensivas em energia são responsáveis pela descoberta de blocos e emissão de novas criptomoedas – é visto pela regra atual como uma espécie de produção do ativo, de modo que ele passa a ser considerado um bem produzido.

Assim como a importação, a exportação desses bens vem crescendo, mas em nível muito inferior, já que está mais atrelada à venda dos ativos do que propriamente à “mineração” deles.

O que explica o descompasso entre importações e exportações, tornando os criptoativos um fator deficitário para a balança, é que a mineração é realizada quase exclusivamente no exterior. Isso porque para “minerar” tais ativos é preciso contar com uma rede de computadores, e os preços da energia elétrica nacional são elevados demais para que tal operação seja mais lucrativa no Brasil do que em outros lugares.

De acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a média nacional do preço de energia é R$ 0,73 por kilowatt/hora, ou US$ 0,14. Em entrevista recente ao Valor, Eduardo Meyer, diretor de operações da mineradora FMI Minecraft, disse que operações de mineração cripto com custos acima de US$ 0,07 ou US$ 0,08 se tornam cada vez menos viáveis conforme a quantidade de bitcoins emitidos por bloco minerado diminui (no evento conhecido como “halving”). “Por design, escolha de operações, sempre buscamos estar o mais próximos possíveis de US$ 0,03”, afirma.

Como lembra Goldenstein, da Warren, esse recorte só é observado nos dados do Banco Central, e não nos da Secex, “porque a secretaria não considera importações de pequeno valor até US$ 50 e nem criptoativos”…. leia mais em Valor Econômico 03/05/2024