A dificuldade na definição do preço adequado nos contratos de compra de quotas societárias ou ações torna comum a adoção, nessas operações, de cláusulas contratuais que estabeleçam “preços contingentes” [1] [2] — ou seja, pagamentos eventuais destinados ao alienante vinculados à performance da companhia ou sociedade alienada. [3]

Nesse sentido, a criatividade da prática empresarial deu origem à cláusula de earn-out, através da qual “contratualmente, as partes estabelecem percentuais sobre ganhos futuros e fixam metas que, caso atingidas, disparam o gatilho da contraprestação monetária adicional”. [4]

Contudo, a natureza jurídica da cláusula de earn-out, por si só, não é pacífica — inclusive, pela possibilidade de que essa assuma diversas facetas no caso concreto. Igualmente, as controvérsias tributárias e contábeis decorrentes de sua estipulação referente à apuração do goodwil ainda persistem.

Identificada essa lacuna e, considerando a relevância prática do tema, o presente texto pretende tecer comentários acerca da natureza jurídica da cláusula de earn-out e as consequências contábeis e tributárias de sua adoção, especialmente no que tange à apuração do goodwill nas operações de aquisição de empresas.

Como brevemente adiantado, a cláusula de earn-out corresponde à parcela do preço de um negócio jurídico de aquisição das quotas ou ações de determinada sociedade ou companhia cujo valor é determinável (sendo ilíquido no momento da contratação) e seu pagamento está atrelado a eventos futuros e incertos.

Trata-se, portanto, de hipótese em que as partes optam por deixar a fixação de parcela do preço do negócio em “função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação” (artigo 487, do Código Civil), e condicionam seu pagamento para o futuro (artigo 121, do Código Civil). Nesse sentido, como anota Luciano Zordan Piva, o earn-out é “uma forma de pagamento pelo qual parcela do preço é diferida para o futuro”. [5]

A obrigação de pagamento do preço contingente, nesse sentido, tem sua eficácia suspensa por cláusula condicional, geralmente atrelada ao cumprimento de metas empresariais e financeiras futuras e predefinidas [6]. Portanto, desde a celebração do contrato de compra e venda com cláusula de earn-out existe a obrigação de pagamento do preço contingente, entretanto, sua eficácia está condicionada à ocorrência de eventos futuros e incertos.

Pode-se definir o earn-out, portanto, como a cláusula contratual acessória [7] que faz surgir a obrigação de pagamento do preço (determinável) pelo comprador e o direito de receber a contraprestação (determinável) pelo vendedor, os quais têm sua eficácia suspensa e condicionada à ocorrência de eventos futuros e incertos atrelados ao desempenho econômico da sociedade ou companhia adquirida.

A partir dessa definição, ao se adentrar no âmbito tributário e contábil, três itens merecem destaque:

  1. a obrigação de pagamento e o direito de recebimento do preço decorrente do earn-out existe desde a celebração do negócio jurídico;
  2. seu valor é indeterminado, porém determinável;
  3. sua eficácia está suspensa e condicionada à ocorrência de eventos futuros e incertos.

Controle de sociedades

No âmbito contábil, as operações de aquisição de controle de sociedades e companhias são regidas pelo Pronunciamento Técnico CPC 15, o qual determina que a mensuração do preço contingente deve se dar “pelo seu valor justo na data da aquisição como parte da contraprestação transferida em troca do controle da adquirida”.
Logo, o CPC 15 reconhece a existência da obrigação de pagamento decorrente da cláusula de earn-out desde o momento da celebração do contrato e, ainda que não seja líquida ou certa, determina seu registro contábil desde então como parte da contraprestação — servindo, portanto, como componente do custo de aquisição contábil do investimento.

Em assim sendo, para fins contábeis, o valor do custo de aquisição do investimento deve considerar também o preço contingente representado pelo earn-out, o qual, nesse cenário, terá reflexo na apuração contábil da mais-valia [8] e do goodwill. [9]– [10]

Entretanto, no aspecto tributário, não é pacífica a consideração da obrigação decorrente da cláusula de earn-out como custo de aquisição desde a contratação, uma vez que “a ideia de custo está atrelada a sacrifício patrimonial efetivo, não dependente de evento futuro e incerto”. [11]

Nesse sentido, inclusive, a IN RFB nº 1.700/2017 previu que “os reflexos tributários decorrentes de obrigações contratuais em operações de aquisições de negócios, subordinadas a evento futuro e incerto, inclusive nas operações que envolvam contraprestação contingentes, devem ser reconhecidos na apuração do lucro real e do resultado ajustado” no momento da implementação da condição suspensiva, a teor do previsto no artigo 117, inciso I, do Código Tributário Nacional. [12]

Igualmente, a Receita Federal, por ocasião da SC Cosit nº 03/2016, registrou que o reconhecimento fiscal do preço contingente somente deve se dar quando constatada a ocorrência da condição, momento no qual esse passará a integrar o custo de aquisição da participação societária:

“De fato, o regime de competência determina que o valor das transações e de outros eventos seja reconhecido nos períodos a que se refere, independentemente do recebimento ou pagamento. Entretanto, para seu reconhecimento fiscal é necessário também que esse valor represente com fidedignidade aquilo que consubstancia, no caso em tela o efetivo preço da aquisição da participação societária, uma vez que, conforme sobejamente demonstrado acima, o preço consignado em contrato não é determinado, já que o valor final está condicionado a eventos futuros e incertos. Somente a efetiva e definitiva entrega de numerário aos Vendedores, nas condições estabelecidas no contrato, é que permite reconhecer que determinado valor integra o custo de aquisição da participação societária.”

Deste modo, constata-se a existência de descompasso entre as normas contábeis e a legislação tributária: se, por ocasião das primeiras, o earn-out deve ser contabilizado desde a data de celebração do negócio e avaliado a valor justo como item do preço e, portanto, parte do custo de investimento contábil. Para o âmbito tributário, o earn-out não pode ser considerado como realizado, não podendo impactar na mais-valia e no goodwill, enquanto a condição não estiver implementada.

Portanto, ainda que contabilmente deva ser contabilizado como parte do preço de aquisição, os valores referentes à obrigação decorrente do earn-out não podem, para fins tributários, ser considerados para cálculo da mais-valia e do goodwill — devendo, contudo, estar registrados em subconta contábil identificada e, uma vez incorrida a condição, poderão ser considerados como ajuste positivo…Autor: Jorge Henrique Anorozo Coutinho – advogado, sócio do escritório Jorge Ponsoni Anorozo & Advogados Associados… saiba mais em Conjur 04/05/2024