“Há bilhões de anos no mercado, Terra vem oferecendo produtos e serviços exclusivos no seu segmento. Mas sucessivos casos de má administração do patrimônio, corrupção e distribuição desigual de dividendos vem colocando o futuro da empresa em risco. No seu último balanço anual, Terra apresentou os piores números da sua história. Mas ainda possui um patrimônio de valor inestimável entre seus ativos, fazendo dela o investimento perfeito para pessoas de perfil arrojado e visão de negócio como você. Invista na Terra. Oportunidade como essa só aparece de bilhões em bilhões de anos.” Esse texto é do impactante vídeo de lançamento de uma campanha que monopolizou as atenções na última semana de abril: o IPO da Terra. Iniciativa da Rede Brasil do Pacto Global da ONU e da agência de comunicação e publicidade AlmapBBDO, aconteceu na B3 em 26 de abril, com a tradicional cerimônia de toque da campainha que sinaliza a abertura simbólica do pregão.

A ideia endereça de forma brilhante um dos principais desafios que temos na agenda ESG: usar a linguagem adequada para sermos ouvidos. A campanha faz isso com maestria pois apresenta os dados pelo ângulo empresarial, transformando a Terra numa organização que faz seu IPO (Oferta Pública Inicial, do inglês Initial Public Offer), ou seja, abre capital na bolsa de valores. Seu “ticker” (código de negociação que identifica um ativo listado) é TERR4 e sua ação começou com a cotação de US$ 20,30, uma alusão ao ano de 2030, prazo de atingimento dos ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Grande sacada!

E quando a ação da Terra ganha ou perde valor? Conforme a veiculação de conteúdos positivos ou negativos em portais de notícias do Brasil e do mundo. E tudo isso pode ser acompanhado por seus 8 bilhões de “consumidores” (a quantidade de habitantes do planeta hoje) em um site. No momento em que escrevo esse artigo, infelizmente, TERR4 está em queda, cotada a US$ 17,2:

Sobre o IPO da Terra e o poder das bolsas em ESG
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Eu entrevistei o CEO da Rede Brasil do Pacto Global, Carlo Pereira, no meu programa mensal no Instagram, o VOZES QUE QUEREMOS OUVIR, em 2 de maio, e ele explicou que a campanha tem várias frentes: cerimônias de abertura de pregão, vídeo, relatório com os últimos resultados científicos e estatísticos do planeta (“Relatório Urgente”) e site. O objetivo é sensibilizar as lideranças para que tomem ações concretas relacionadas à Agenda 2030, com metas e assunção de compromissos públicos.

Notem que eu escrevi “cerimônias” de abertura de pregão. Sim, porque essa ideia potente que nasceu aqui no Brasil já tem mais de dez países interessados, de México, Sri Lanka e Noruega a Indonésia. Em Nova Iorque já está certo e acontecerá em breve, na Nyse – New York Stock Exchange e na Assembleia Geral da ONU. Nada banal. Vamos ainda ouvir falar muito do IPO da Terra.

Todo esse movimento me fez lembrar dos meus tempos de Diretora de Sustentabilidade da BM&FBOVESPA/B3, e o quanto aprendi nesse papel sobre a potência do mercado de capitais para impulsionamento da agenda da sustentabilidade. Em torno das bolsas, gravitam empresas, investidores, reguladores. Seu papel de indução é fenomenal.

A ONU sabe disso e, em 2012, na Rio+20, no Rio de Janeiro, lançou uma iniciativa mundial para “bolsas sustentáveis”, a SSE – Sustainable Stock Exchanges Initiative. Isso mesmo, o Brasil sediou o seu nascimento e a bolsa brasileira foi uma das cinco signatárias fundadoras, ao lado de NASDAQ OMX, Johannesburg Stock Exchange (JSE), Istanbul Stock Exchange (ISE) e Egyptian Exchange (EGX). Hoje, onze anos depois, conta com 130 membros e um robusto portfólio de ações, relatórios e publicações. A SSE é fruto de uma parceria entre quatro agências da ONU: UNGC (United Nations Global Compact), Unctad (United Nations Conference on Trade and Development Division on Investment and Enterprise), UNEP-FI (United Nations Environment Programme Finance Initiative) e PRI (Principles for Responsible Investment).

Outra organização crucial nesse contexto é a WFE – World Federation of Exchanges, que lançou em março o framework “Green Equity Principles”, que tem o objetivo de fornecer parâmetros para o investidor, propiciar mais acesso a capital para as companhias e evitar greenwashing ao criar referências para nominar quem é “sustentável”. As diretrizes são gerais e cada bolsa pode desenvolver seu próprio padrão.

Há dúvidas entre os especialistas em ESG sobre as consequências dessa flexibilidade, uma vez que pode dificultar a comparabilidade entre mercados e abrir brechas para distorções conceituais. Como sou sempre da turma do copo meio cheio, aplaudo a proposta. Sim, provavelmente haverá oportunidades de melhorias, ajustes etc. Mas o assunto veio à pauta, e isso é o mais relevante porque gera ação. A estrutura do framework tem cinco pilares para classificar uma companhia como “green”:

⦁Receitas/Investimentos: ter ao menos 50% da receita anual vinda de atividades que contribuam para a economia verde.

⦁Taxonomia: divulgar a taxonomia e outros critérios e definições usados para verificar se as receitas vêm de serviços verdes.

⦁Governança: atender aos critérios de governança da bolsa em que estiverem listadas.

⦁Avaliação: avaliar anualmente com um certificador externo como as atividades e receitas relacionadas estão contribuindo para a economia verde.

⦁Divulgação: disponibilizar informações sobre como atende aos critérios e às classificações.

Nandini Sukumar, CEO da WFE, disse no anúncio do framework: “Este é um marco nas finanças sustentáveis. As bolsas se esforçam para trazer clareza, consistência e rigor ao conceito de “green” e combater o greenwashing”. Como quem fez parte de grande parte dessa jornada, eu não poderia concordar mais com a Nandini. As bolsas, como coração do mercado de capitais, vêm cumprindo um papel fundamental, seja no fomento às boas práticas junto às suas empresas listadas ou na criação de produtos e serviços que promovam esse novo modelo de mundo que deve considerar, na mesma medida, questões econômicas, ambientais, sociais e de governança.

Espero ver cada vez mais iniciativas geniais, como o “IPO da Terra”, e fundamentais, como os “Green Equity Principles”, para que o setor privado e suas lideranças possam ter mais elementos para entender profundamente o valor da agenda ESG, se engajar e atuar. Afinal, a nossa Terra merece se valorizar cada vez mais na bolsa de valores da Humanidade… leia mais em Valor Investe 09/05/2023