Antiga Cip, a Nuclea adquire a registradora CRT4 e pretende revolucionar a infraestrutura do mercado financeiro brasileiro.

Dois grandes movimentos tornaram a B3 o principal canal de infraestrutura do mercado financeiro brasileiro. O primeiro foi em 2008, com a união de BM&F e a Bovespa Holding. Já era uma das maiores bolsas do mundo e a partir daquele momento criou um modelo verticalizado e integrado para negociação e pós-negociação, distribuição de dados de cotações, produção de índices de mercado, desenvolvimento de sistemas e softwares, listagem de emissores, empréstimo de ativos e central depositária.

Em 2017 outro passo importante foi dado: incorporou a Cetip, que faz custódia de títulos privados e públicos. Foi aí, inclusive que nasceu o nome B3 (Brasil, Bolsa, Balcão). Nos últimos seis anos reinou absoluta como maior depositária de títulos de renda fixa da América Latina e a maior câmara de ativos privados do País, com R$ 3,7 trilhões de estoques registrados em dezembro de 2022, valor 30% maior do que 2021 e recorde de títulos emitidos por instituições financeiras.

Agora, essa soberania ganha um rival. A empresa Nuclea (antiga Cip) adquiriu a registradora CRT4 (pronuncia-se Certa) — não foi divulgado o valor do negócio, que ocorreu por meio de incorporação de ações — e promete revolucionar a infraestrutura do mercado financeiro. “Criamos um efeito de rede poderoso, com uma operação que será um divisor de águas nos mercados financeiro e de capitais no Brasil”, disse Jorge Sant’Anna, presidente do conselho de administração da CRT4. “A expectativa é de que em 24 meses cerca de 10% da receita da Nuclea, de R$ 1,3 bilhão, venha de produtos da CRT4”, afirmou o executivo, que também é conselheiro da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), onde foi idealizada a CRT4. A transação foi aprovada pelas respectivas assembleias gerais de acionistas das empresas e agora depende de aprovação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Banco Central (BC). A previsão é que isso ocorra ainda neste primeiro semestre.

3,7 trilhões de reais tem a b3 em estoques registrados em ativos, sendo a maior depositária de títulos de renda fixa da américa latina

A CRT4 foi criada em 2018 a partir de um projeto da ABBC para atender a demandas do mercado financeiro e baratear custos de transações. Entre os 31 acionistas, que são bancos de médio porte, estão BMG, Pan, Alfa, Safra, Fibra, Mercantil, Citibank, Original, entre outros. A companhia oferece serviços de registro de ativos financeiros como Certificados de Depósito Bancário (CDBs), Recibo de Depósito Bancário (RDBs), letras de câmbio, debêntures e registro de valores mobiliários, como derivativos. São serviços que a Nuclea não faz e vai agregar em seu portfólio, consolidando-se como uma “one stop shop”. Agora, são 45 acionistas.

Para André Daré, CEO da Nuclea desde janeiro — assumiu o posto após 25 anos de carreira no Itaú Unibanco —, a incorporação da CRT4 permitirá a ampliação da base de infraestrutura para novos ecossistemas de soluções digitais. “Vamos nos fortalecer do ponto de vista de tecnologia, dando aos nossos clientes uma alternativa de serviços no registro de ativos. Acreditamos que nos próximos dois anos a participação na receita atinja 10%”, afirmou, em nota.

1,8 trilhão de reais tem a b3 em cdbs e outros R$ 237 bilhões em rdbs, domínio expressivo que interfere nos custos de captação

Antes da CRT4, a B3 nadava de braçada pelo mar dos serviços de registro de ativos financeiros como CDBs (com R$ 1,8 trilhão registrados) e RDBs (R$ 237 bilhões). Praticamente um monopólio nesse setor. Segundo Jorge Sant’Anna, isso tira a liberdade do mercado, prejudica a livre concorrência e interfere nos custos da infraestrutura bancária. “Esse negócio ganhou um volume grande em um único player, o que afeta os bancos médios e pequenos.”

AÇÃO E REAÇÃO

Jorge Sant’Anna é conselheiro da CRT4 e da Associação Brasileira de Bancos: “Começamos a mudar o mercado”. B3 já se movimenta para encarar a concorrência. (Crédito:Suamy Beydoun/AGIF via AFP | Leonardo Rodrigues)

Com o trabalho realizado pela CRT4, os custos dessas operações ficaram até 40% inferiores aos praticados pela B3. Em estudo da companhia feito em 2019, a estimativa foi de R$ 600 milhões de redução de encargos. “Criamos para equalizar preço, gerar flexibilidade e produtividade. Começamos a mudar o mercado e, com a união com a Nuclea, não sabemos onde vai parar [essa diminuição de custos].” Mas ele diz saber as consequências. “Geramos um gigante do mercado. Viabiliza os bancos grandes a trazerem suas operações de ativos financeiros para a Nuclea.” Fontes do segmento dizem que a B3 tem se mexido para criar produtos e reduzir custos para encarar a concorrência que emerge.

No plano de negócio da Nuclea, a expectativa é ambiciosa. Em dois anos atrair 30% dos CDBs da B3 (hoje em R$ 1,8 trilhão). Ou seja, R$ 600 bilhões. A CRT4 tem registrado R$ 30 bilhões. “Fica estabelecido um binômio, com a Nuclea e a B3, com equilíbrio. Reforça a competição”, afirmou Sant’Anna, ao avaliar que os grandes bancos vão passar a operar seus ativos com quem oferecer melhores condições. Segundo ele, o Banco Central estimula a competitividade para evitar a concentração excessiva na infraestrutura financeira. Além da aquisição da CRT4, a Nuclea diversifica os investimentos, com parcerias e outras aquisições, com foco em tecnologia e data analytics. A empresa criou um Corporate Venture Capital (CVC) que já investiu nas fintechs Klavi e BEE4.

1,3 bilhão de reais é a receita da nuclea. expectativa é de que em 24 meses 10% do faturamento seja oriundo da crt4

DESAFIO

De acordo com Jorge Sant’Anna, o arcabouço do sistema financeiro brasileiro é referência mundial, inclusive com citações positivas do Banco Mundial. Mas passa por desafios com a recente regulação das fintechs, o open banking com descentralização de dados a partir de blockchain e tokenização, além da futura criação da moeda digital do Banco Central (da sigla em inglês CBDC, Central Bank Digital Currency). Para o conselheiro, o BC, a ABBC a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e as instituições de infraestrutura financeira têm de se debruçar sobre as tendências para absorver as demandas decorrentes desse mercado novo. “É uma maneira de pensar diferente, com ‘time’ diferente. Não é fácil.” Esse trabalho para manter o setor regulado, com plena telemetria fiscalizatória, contribui para manter baixo o risco operacional e evitar o chamado shadow banking, conhecido como “sistema bancário sombra”, em que um conjunto de operações e intermediários fornece crédito em todo o sistema financeiro de maneira informal. Essas atividades paralelas ficam à margem de supervisão das autoridades. “Esse é o perigo”, disse Sant’Anna, ao ressaltar mesmo não havendo risco real agora, é sempre bom estar atento...Leia mais em istoedinheiro 24/03/2023