O relacionamento entre o futebol brasileiro e o mercado de capitais está perto de entrar em uma nova fase. Se até o momento só os clubes em crise ou regionais estão se abrindo para investidores, a próxima etapa deverá ser dominada por times de abrangência nacional que não precisam de socorro financeiro, mas estarão dispostos a vender fatias menores da instituição para levantar mais recursos — o que pode até envolver um IPO.

Esta é a expectativa do consultor Francisco Clemente, sócio-líder da área de mídia e esportes da KPMG e um dos autores de estudo que a consultoria acaba de preparar sobre o futebol no mercado de capitais, com um histórico de 22 clubes no mundo que já foram à bolsa.

Após analisar o que encontrou de referências no exterior, Clemente entende que o Brasil está caminhando para uma terceira onda. A primeira foi a dos clubes que estavam com problemas financeiros e aproveitaram a criação da Lei das SAFs, de 2021, para atrair investidores dispostos a assumir o controle. Foram os casos do Cruzeiro, vendido a Ronaldo; do Botafogo, comprado pelo americano John Textor; e do Vasco, com a 777 Partners.

A segunda onda é a que tem ocorrido hoje, na qual clubes regionais, não necessariamente em crise, estão de olho em uma expansão, como o Bahia, que agora faz parte do Grupo City, dono do Manchester City, e o Coritiba, comprado pelo fundo brasileiro Treecorp Partners.

 próxima onda do futebol brasileiro

Já a próxima deverá ser marcada por grandes clubes nacionais, como Flamengo ou Palmeiras, que podem querer vender uma fatia menor — de 10%, por exemplo — para reforçar o caixa e ter dinheiro para atingir objetivos específicos, como construir um estádio, fazer contratações de peso e acelerar o ritmo de crescimento. “Isso pode acontecer via IPO, via mercado de dívida ou com fundos de private equity, por exemplo”, diz o consultor, que vê o Brasil no caminho para ter um primeiro IPO no futebol em um prazo de até dois anos. “Para isso, os clubes precisam se preparar.”

Para ele, há dois fatores que vão impulsionar a terceira onda. Uma é o processo de criação das ligas, como a Libra ou a Liga Forte Futebol, que devem valorizar os clubes. O outro é a própria consolidação da lei da SAF, que tem superado as desconfianças do início, inclusive entre os torcedores.

Caso os clubes optem por um IPO, uma das barreiras ao interesse dos investidores pode ser a cultura ainda amadora que domina a administração dos clubes brasileiros. Sem uma tradição de alto padrão de governança, as instituições podem ser encaradas pelo mercado como ativos de risco elevado.

Mas um dos autores do estudo publicado pela KPMG, o advogado Pedro Trengrouse, sócio sênior da Trengrouse & Gonçalves Advogados, acredita que esse déficit de gestão poderia ser um motivo a mais para a abertura de capital. “Um das razões para se fazer um IPO é provocar um choque de gestão, que pode tornar o modelo de governança mais corporativo, mais profissional“, diz.

Trengrouse lembra que há países com ligas mais fracas que têm clubes com investidores brasileiros. No Chile, por exemplo, o Colo-Colo tem o BTG Pactual como um dos acionistas. “Na B3, há pelo menos 100 empresas com um faturamento similar ao do menor clube da Série A do Brasileirão”, diz.

Um outro ponto de atenção é que o futebol tem um lado mais imprevisível e passional. É possível que um clube faça um grande investimento e não tenha o retorno financeiro esperado porque perdeu uma final de campeonato com um gol contra no último minuto. E também é possível que um investidor torcedor tome decisões com menos racionalidade do que prega o mercado.

Clemente, no entanto, vê um lado positivo nisso. Por ser apaixonado por seu clube, um torcedor pode se tornar um investidor com perfil de longo prazo, menos propenso a retirar o que aplicou, porque está mais interessado em ajudar o clube do que a ter um retorno financeiro. “Existe um senso de pertencimento que pode mover muitos investidores”, afirma. “Se só uma fração dos milhões de brasileiros que torcem para algum time se tornar investidora, isso já faria o mercado crescer bastante.”

De qualquer forma, se um torcedor virar acionista do próprio clube em um eventual IPO, ele vai precisar ter paciência e estômago. A paciência é para entender que capitalizar o clube não garante sucesso imediato. A julgar pelos times que viraram SAFs na primeira onda, como Botafogo e Vasco, nota-se que os resultados em campo podem variar bastante. Enquanto o Botafogo lidera a Série A com folga em 2023, o Vasco amarga a zona de rebaixamento.

Já o estômago será necessário para aguentar as oscilações do clube na bolsa. A ação do Benfica, de Portugal, por exemplo, chegou a valer 5,48 euros em 2021 e caiu para 3,60 euros desde então, mas ainda vale o dobro da cotação de cinco anos atrás.

Tanto para Clemente quanto para Trengrouse, Flamengo e Palmeiras seriam os clubes mais bem estruturados para fazer o IPO, pelo bom momento que vivem, dentro e fora de campo. Ressaltam, porém, que o fato de serem maiores pode atrapalhar. “Eles são como transatlânticos, mais lentos para se mover”, afirma Trengrouse. “Já outros são como lanchas de alta velocidade, como o Athletico Paranaense, que tem um modelo de governança mais ágil.” O Athletico é comandado pelo cartola Mario Celso Petraglia desde os anos 1990… leia mais em Pipeline 13/07/2023