Na negociação de contratos de compra e venda de empresas, um dos pontos que mais demandam esforço são as cláusulas de declarações e garantias e seus anexos. A linguagem dessas cláusulas, normalmente extensa e detalhada, decorre, em grande parte, da reprodução de uma estrutura contratual norte-americana. Como em todo uso de práticas estrangeiras vale se perguntar: servem as disposições aqui e lá para os mesmos fins?

Vale o desgaste para termos declarações tão detalhadas como em contratos estrangeiros? A resposta passa pelo entendimento das utilidades dessas disposições.

Função Informativa. A primeira função das declarações é informar. Em contratos com declarações extensas, o comprador recebe confirmação formal da empresa alvo e dos vendedores sobre diversos aspectos investigados no processo de due diligence, como propriedade das ações, regularidade operacional, litígios em curso, práticas que podem representar riscos potenciais. Nesse quesito, cláusulas extensas dão conforto quanto ao negócio adquirido e, não raro, expõem situações que não foram abordadas ou detalhadas na auditoria por qualquer razão e que podem ser cruciais para o correto entendimento do negócio. Para esse fim, as cláusulas exercem a mesma função aqui e lá, diminuindo assimetria de informações entre quem vende e quem compra.

Condição Precedente. Em operações cuja assinatura dos contratos e a conclusão da aquisição não são simultâneas, a manutenção da veracidade das declarações prestadas na data de assinatura é uma condição usual para o fechamento. Nesses casos, as cláusulas dão ao comprador tempo adicional para investigar o negócio adquirido, seja sobre veracidade das declarações na data de assinatura seja sobre alterações nas condições da empresa ocorridas até o fechamento. Mudanças relevantes permitem a desistência da transação. A utilidade contratual desses dispositivos é a mesma nos sistemas brasileiro e americano.

Indenização. Essa talvez seja a principal finalidade das declarações e garantias na prática americana. Lá, os contratos, usualmente, condicionam o direito de reparação do comprador por perdas à violação de declarações e garantias, ou seja, o comprador depende de falsidade ou omissão para ser indenizado. Isso explica a razão de compradores buscarem o máximo de declarações possíveis, com detalhamento de todos os aspectos relevantes da empresa alvo. Na prática americana, contingências relevantes implicam desconto no preço na largada (com taxas maiores ou menores a depender de fatores como probabilidade de materialização), com a consequente transferência do risco dos vendedores para os compradores no fechamento. Contingências de valor muito expressivo ou cuja probabilidade de materialização seja difícil no momento de negociação contratual podem ser excepcionadas e receber tratamento diferenciado (indenizações específicas, garantias contratuais de pagamento, como retenções, seguro ou escrow).

Aqui é o ponto em que as práticas divergem: no Brasil, por particularidades de nosso sistema jurídico que dificultam a precificação de contingências (dificuldade de prever o prazo para encerramento de litígios, insegurança jurídica, variações bruscas de custo de capital), tendemos a não realizar o desconto antecipado de perdas e alocamos seu risco financeiro entre as partes com base em um corte temporal, indo além da quebra das declarações.

Assim, vendedores são responsáveis por indenizar qualquer fato ocorrido até a data da venda, independentemente de terem declarado qualquer desconformidade efetiva ou potencial no contrato. Num cenário de imprevisibilidade quanto ao valor de contingências como o nosso, esse arranjo traz vantagens às partes – já que o valor a ser indenizado é a perda efetiva, sem que qualquer parte se beneficie de cálculos pouco precisos de liquidação antecipada.

Em nossa estrutura contratual típica, as horas e o desgaste nas negociações das declarações e garantias acabam por não ter tanto efeito prático para o comprador, que, pela regra geral do contrato, já está coberto contra perdas, mesmo que decorrentes de eventos conhecidos. Por outro lado, contratos com declarações e garantias mais leves podem trazer algumas vantagens, como negociações mais curtas e menos onerosas, preservação da confidencialidade da operação (dado que a elaboração de anexos informativos usualmente exige o envolvimento de pessoas além da alta administração da empresa alvo), menor desgaste entre as partes (especialmente válido se os vendedores permanecerão retidos pós-fechamento).

Nesse sentido, na “tropicalização” das cláusulas de declarações e garantias e também na prática negocial é importante que os envolvidos ponderem o esforço gasto nessas cláusulas, especialmente quando as negociações são entre partes nacionais, são precedidas de uma auditoria satisfatória e, principalmente, quando os mecanismos contratuais de indenização garantem a alocação de riscos em termos mutuamente aceitáveis. Autor Hugo J. S. Wery – advogado, formado pela PUC-Rio, com cursos de especialização em Direito Societário e Mercado de Capitais pela FGV e em Finanças pela COPPEAD UFRJ. Integra o time de Direito Societário e Fusões e Aquisições do Lobo de Rizzo Advogados.