A cada dado novo de inflação da economia americana, o horizonte para cortes de juros pelo Fed parece mais distante. Como fica o cenário para a bolsa e o mercado brasileiro?

2024 é, até aqui, o ano que não começou. Ao menos para o mercado financeiro. Entre especialistas, a visão era em 2024 que as principais economias do mundo (leia-se: Estados Unidos e países da Europa) iniciariam seus ciclos de flexibilização monetária. Então, os apertos nos juros dos últimos três anos seriam gradualmente revertidos. Para o Brasil, o resultado não poderia ser melhor: dólar enfraqueceria e a bolsa gradualmente voltaria ao topo das paradas entre os investidores.

Mas estamos em abril e nada disso aconteceu. Pelo contrário. A cada dado novo da economia americana, esse cenário parece mais distante. O início dos cortes nos juros americanos pelo Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) uma vez esperado para março deve vir mesmo só em setembro – e olhe lá. Isso só se as atuais projeções do mercado se concretizarem.

Com o acirramento dos conflitos no Oriente Médio, os mercados entram em zona de cautela. Caso os ataques afetem a oferta de matérias-primas (do petróleo, especialmente), a disparada de preços das commodities se torna um cenário altamente provável. No petróleo, por exemplo, essa alta provocaria repique da inflação em todos os mercados via preços de energia e combustíveis mais elevados.

A esta altura, talvez a postura das autoridades monetárias precise passar por revisões.

E a pergunta da qual investidores fugiram até agora, enfim, veio à tona: e se os juros americanos não caírem neste ano?
A hipótese, varrida das previsões do mercado até então, começou a parecer um cenário não tão improvável assim.

Na última quarta (10), os números de março da inflação ao consumidor nos EUA, medida pelo CPI, caíram como um balde d’água gelada sobre investidores. E nem a dose de otimismo injetada pela desaceleração do índice de preços aos produtores, divulgado ontem, foi suficiente para acalmar os ânimos.

O CPI acima do esperado pelo terceiro mês consecutivo mostra que o ritmo de alta nos preços da economia americana não está arrefecendo como se esperava – mesmo com as taxas de juros no maior patamar em 23 anos.

E se os juros entre 5,25% e 5,5% nos EUA não forem suficientes para fazer a inflação americana descer até a meta do Fed?

Pode parecer uma discussão distante, mas não é. Para mercados periféricos como o do Brasil, a avalanche provocada pelos recálculos no horizonte dos juros americanos gera o sobe e desce (mas mais desce do que sobe) nos ativos domésticos.

Conforme o ciclo de alívio monetário nos EUA é postergado, a tese de investimento para o mercado brasileiro vai ruindo. Só com o adiamento de março para junho, foi-se embora metade do volume em dólares que entrou na nossa bolsa no último ano – e segurou as cotações de câmbio abaixo dos R$ 5 por meses.

Por isso, mantidas constantes as demais variáveis do mercado, o impacto do adiamento dos cortes nos juros americanos deve ser, sim, negativo para a bolsa brasileira, reflete Felipe Miranda, estrategista-chefe da Empiricus Research. “A menos que um evento inesperado positivo atraia um fluxo de investimentos para a renda variável brasileira. Mas não é o que está acontecendo.”

Na verdade, é bem pelo contrário. “Somos um mercado essencialmente ligado a commodities, dependente de EUA e China e, agora, com um banco central mais cauteloso”, reflete Luis Cezário, economista-chefe da Asset 1.

As casas e gestoras dos especialistas ouvidos pelo Valor Investe revisaram seus cenários para os juros brasileiros, agora com a Selic estacionando acima dos 9% – mais perto dos 10%.

Ou seja, um Brasil com juros além do que um dia se esperou para o fim de 2024.

O equilíbrio entre as taxas brasileira e americana se tornou ponto de preocupação para o Banco Central (BC) do Brasil, a fim de frear a fuga de dólares do país. Na bolsa, que tem como principal força compradora investidores estrangeiros, essa debandada do capital já derrubou o Ibovespa em 6,6% no acumulado do ano até 15 de abril.

A questão é ainda mais delicada, considerando que o impacto de juros altos por mais tempo nos EUA não está restrito ao mercado de capitais.

Como o câmbio é o principal canal entre as políticas monetárias americana e brasileira, um dólar mais forte pode provocar repique da inflação por aqui. O que justifica uma Selic possivelmente nos dois dígitos por muito mais tempo. Isso aconteceria se, na ponta, o aumento de preços das matérias-primas importadas fosse repassado ao consumidor final.

E se…?
Para a economista-chefe da Principal Claritas, Marcela Rocha, uma luz amarela se acendeu no mercado. A projeção média entre agentes era de que o núcleo do CPI (que exclui os preços mais voláteis, como alimentos e energia) de março viria abaixo dos 0,35% no mês. Veio 0,4%.

Ponto é que este dado antecipa outro mais abrangente: o índice de preços de gastos com consumo (PCE, na sigla em inglês). Divulgado só no fim do mês, é o indicador preferido do Fed para acompanhar a inflação no mercado americano.

Estamos no ponto que não há mais espaço para ponderação.

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Se o primeiro ou o segundo cenário, “só no fim do ano que saberemos qual dessas forças preponderou na nossa bolsa.”

Para a Kinea, o lucro das companhias da carteira do Ibovespa deve saltar em média 15% este ano. “Vejo oportunidade na bolsa brasileira porque entendo que o mercado está errando na leitura dessa relação mecânica entre juros americanos e bolsa brasileira, por olhar para ela como se fosse a única variável do mercado – e não é”, diz Freire.

“As commodities [relacionadas a mais de 35% das ações no Ibovespa] estão rompendo projeções de preços e a economia está crescendo. Mesmo se a Selic encerrar este ciclo em patamar mais alto, não dá para perder completamente de vista os fatores positivos, como o PIB em expansão. Por isso, uma carteira bem posicionada na bolsa brasileira hoje tem tudo para bater o CDI.”

Freire diz que o cenário preocupante para a bolsa brasileira é o de economias chinesa e americana afundando e de inflação descontrolada. Não é o que se vê hoje. “Temos um mercado global crescendo e que deve receber estímulos mais para frente, seja lá quando for. Esses fatores pintam um quadro positivo para o Brasil.”….. Por Beatriz Pacheco, Valor Investe  Leia mais em valorinveste 16/04/2024