O mercado de fusões e aquisições no Brasil, que viu o número de transações explodir em 2021, experimentou uma desaceleração no início de 2022 e deve reduzir ainda mais o ímpeto de expansão ao longo do restante do ano.

De acordo com profissionais que assessoram negócios desse tipo, a conjuntura macroeconômica adversa — com juros em alta, inflação acelerada, baixo crescimento econômico e guerra na Europa — tem alimentado a cautela entre as empresas e reduzido o apetite para negociações.

Não por acaso, o recorde de operações observado no ano passado — com crescimento de 75% em relação a 2020, segundo dados da consultoria KPMG — ocorreu em um momento de juros mais baixos, arrefecimento da pandemia na metade do ano e otimismo com a recuperação da economia.

Em 2021, foram 1.963 anúncios de fusões e aquisições, o maior número de transações desde 1996, quando a KPMG começou a fazer o levantamento. Entre os negócios destacam-se a compra do Grupo BIG pelo Carrefour, por R$ 7,5 bilhões, e a fusão entre as operadoras de saúde Hapvida e NotreDrame.

No primeiro trimestre deste ano, as operações seguiram em alta, mas a um ritmo muito mais lento que do ano passado. As fusões e aquisições somaram 533 transações, um avanço de 47% em relação ao primeiro trimestre do ano passado — e com transações como a compra da Modal pela XP, por R$ 3 bilhões.

O indicador que melhor simboliza esse ambiente de desaceleração é a taxa de juros, que tem subido desde o ano passado a cada reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC). Após chegar a cair para 2% ao ano durante a pandemia, no menor nível da história, a Selic saltou, nos últimos 14 meses, para 12,75% ao ano.

Sem IPO e com juro alto

Juro mais alto significa dinheiro mais caro e maior aversão ao risco. Se uma empresa pretendia abrir capital para levantar recursos ou pedir um financiamento no banco, em ambos os casos para ter caixa para uma aquisição, o cenário se tornou bem mais adverso e tem feito com que alguns planos sejam adiados.

No ano passado, o Brasil experimentou um boom de IPOs, com 46 ofertas, de empresas como Mosaico, Cruzeiro do Sul, Mater Dei e Raízen. Em 2022, ainda não houve nenhuma. Pelo contrário, já são 23 o número de empresas que desistiram ou adiaram o IPO, de companhias como Madero, Bluefit e Vero. Além disso, o número de IPOs em análise pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) caiu de 21 para cinco.

“E boa parte do dinheiro levantado pelas empresas que fizeram IPO recentemente já foi gasto em aquisições”, afirma Fabio Jamra, sócio da RGS Partners, escritório que assessora transações de fusões e aquisições, em entrevista à Agência TradeMap. “Claro que ainda há recursos disponíveis, mas esse capital vai acabando. O impacto até agora não foi tão grande, mas vai ser maior.”

O executivo cita ainda que o aumento dos juros dificulta as negociações entre compradores e vendedores. Até porque, se alguém está interessado em comprar uma empresa, ele ressalta, o mínimo que espera é que o investimento lhe dê um retorno superior ao rendimento da Selic.

Se a Selic sobe, o risco de investir também aumenta, e o comprador diminui o montante que está disposto a pagar na aquisição. Afinal de contas, quanto maior o risco, menor o preço. “Mas quem está do lado vendedor pode não estar interessado em vender por menos”, afirma Jamra.

Na avaliação de Denis Morante, sócio da Fortezza Partners, também especializada em fusões e aquisições, embora as transações tenham crescido no primeiro trimestre, a tendência é que o ritmo de expansão vá perdendo fôlego ao longo de 2022, em razão do cenário de maior aversão ao risco no Brasil e no mundo.

“O mercado cresceu 47% no primeiro trimestre e não dá para dizer, portanto, que há um prejuízo, mas esse crescimento vai desacelerar. Acredito que devemos terminar 2022 com uma expansão de 10% a 20% na quantidade de transações”, diz ele, em entrevista à Agência TradeMap.

Oportunidades?

Uma das empresas que fizeram IPO em 2021 e que têm implementado uma agenda de aquisições com os recursos levantados é a Infracommerce, uma companhia que atua no chamado full commerce, com a oferta de produtos e serviços para empresas de e-commerce — que vão desde  plataformas de pagamentos até operações de logística e entrega de produtos, com centros de distribuição espalhados pelas cidades.

Após levantar R$ 870 milhões na abertura de capital, a Infracommerce já soma quatro aquisições. A companhia, por exemplo, comprou as concorrentes Synapcom e a Tatix no Brasil e foi até a Argentina para levar, por US$ 9 milhões, a Summa Solutions, que desenvolve plataformas de e-commerce para outras empresas, um produto que a Infracommerce já tem no Brasil.

Em 2022, a Infracommerce decidiu pisar no freio, porque agora pretende se concentrar em realizar as integrações das companhias que adquiriu. No entanto, entende que a alta da Selic pode gerar oportunidades, uma vez que a companhia tem mirado em aquisições de empresas de tecnologia, que podem ficar mais baratos quando a Selic sobe.

Em geral, companhias de tecnologia são negócios que precisam se provar lucrativos com o tempo e perdem atratividade para os investidores em um cenário de juros mais altos e maior aversão ao risco.

“O aumento da taxa de juros afeta o valuation de todo mundo, inclusive das empresas que queremos comprar. Já mapeamos três ou quatro empresas”, disse o CFO da companhia, Raffael Quintas, em abril, em entrevista à Agência TraMap.

Para Jamra, porém, o aumento dos juros só tende a facilitar negócios para empresas de tecnologia que dependem de rodadas de captações, como as startups, para tocar a expansão da companhia.

“Se a empresa não consegue mais rodadas, pode precisar ser vendida, e aí o preço pode ficar mais baixo”, ele diz. “Mas se o empresário não precisa captar dinheiro, porque o negócio continua saudável, dificilmente ele vai reduzir o preço para vender.”

Há caminhos?

Na visão de Morante, da Fortezza, a falta de IPOs ou os juros mais altos não vão impedir que as fusões e aquisições aconteçam. Segundo ele, uma alternativa para as empresas que buscam recursos é procurar fundos de private equity, que podem financiar operações. “É um mercado que está sentado esperando esse tipo de oportunidades”, disse.

Já Jamra tem uma percepção mais cautelosa em relação ao private equity. Para ele, não se trata de um caminho tão trivial quanto recorrer a um IPO ou ao mercado de dívida. “Continua havendo a dificuldade do retorno esperado, o que dificulta a conciliação no preço. É para quem para quer muito a transação”, afirmou… leia mais em TradeMap 31/05/2022