O artigo de hoje foi inspirado por um post recente meu no LinkedIn e Instagram, no qual expus um erro bastante comum em valuations. A repercussão foi tão legal que atingiu mais de 50 mil pessoas em um dia. Recebi muitos comentários e mensagens bacanas, o que me fez chegar a este artigo de hoje. Nele, ampliarei o escopo do post e compartilharei com todos vocês seis erros frequentes que percebo em várias análises de precificação. Para não tornar esse artigo demasiadamente longo, apontarei o cerne dos erros de forma conceitual, sem entrar em fórmulas matemáticas. Vamos lá?

1) Muitos valuations se dão através da metodologia que usa o WACC (sigla para “Weighted Average Cost of Capital”), que em português significa custo médio ponderado de capital (CMPC). O WACC, quando utilizado como taxa de desconto, tem como premissa utilizar os fluxos de caixa gerados pelos ativos após todas as despesas (inclusive impostos) CONSIDERANDO QUE OS ATIVOS SEJAM 100% FINANCIADOS POR ACIONISTAS, ou seja, supondo uma empresa sem nenhuma dívida. O ajuste da estrutura de capital (ou seja, da dívida) se dá precisamente pelo ajuste na taxa de desconto (WACC): o benefício fiscal não pode ser contabilizado no fluxo de caixa porque já é considerado na taxa de desconto. Em outras palavras, se um relatório de análise se baseia na DRE de uma empresa sem voltar com os juros pagos a credores, ele comete o erro aqui apontado. Já vi relatórios de valuation trabalhando com os fluxos de caixa efetivos da companhia, ou seja, considerando o efeito fiscal da dívida e descontando pelo WACC: um erro crasso, pois o benefício fiscal é considerado DUAS vezes, no fluxo e na taxa.

Seis erros bastante frequentes em Valuation

2) O WACC tradicional tem a premissa fundamental de que a estrutura de capital da empresa (razão entre dívida e patrimônio líquido) se manterá constante. A maioria dos relatórios sequer comenta que essa premissa está sendo considerada. Um bom relatório de valuation que utilize o WACC de maneira tradicional precisa esclarecer que esta é uma importante premissa e, o que talvez seja mais importante, argumentar em prol dessa premissa. Já vi relatórios de valuation de startups usando o WACC com a estrutura atual e “pronto, acabou…” quando, na verdade, a estrutura de capital mudaria radicalmente com o passar dos anos, isto inclusive estando implícito pelos fluxos de caixa (a acionistas e a credores) explicitados no mesmo relatório. Neste caso, o correto seria utilizar WACCs que variam ao longo dos anos com a variação da estrutura de capital da empresa, até se atingir a estrutura considerada ótima e “de voo de cruzeiro”, que poderá ser levada ad aeternum (da mesma forma como fazemos com o fluxo de caixa, que se estabiliza somente na perpetuidade).

3) Há casos bastante comuns no mercado (ou seja, longe de serem exceções) nos quais a fórmula tradicional do WACC, presente nos livros-textos e em buscas no Google, não funciona e que, portanto, precisa ser ajustada. Em dois casos bastante corriqueiros no Brasil, a fórmula tradicional não funciona e precisaria ser ajustada: companhias com ações preferenciais e companhias que remuneram seus acionistas com juros sobre capital próprio. Um outro caso, que não é incomum, aparece quando aplicamos a perpetuidade com taxa de crescimento. Em artigo científico que publiquei na Applied Mathematical Sciences (que pode ser encontrado em meu site pessoal, na aba de pesquisas), demonstro que o crescimento (g) precisa ser considerado no WACC.

Chamo a atenção para este caso, pois é muito comum e, sinceramente, não me lembro de um relatório com a premissa de crescimento na perpetuidade e que ajuste a fórmula do WACC adequadamente – fórmula essa que desenvolvo e demonstro no artigo acima. Um erro de poucos pontos-base na taxa de desconto pode gerar um erro relevante no valor da companhia avaliada.

4) Jamais calcule o WACC com valores contábeis para a dívida ou para o patrimônio líquido. Valores de mercado sempre devem ser utilizados, sejam valores atuais ou mesmo projeções de mercado. Por exemplo, se uma empresa tem dívidas com valor contábil total de R$ 100 milhões, mas conseguiria quitá-la à vista por R$ 84 milhões, este último é o valor que deve ser considerado.

5) O WACC reflete o custo de oportunidade da empresa e considera tanto o risco (isto é, a incerteza) dos fluxos de caixa dos seus ativos quanto a estrutura de capital da empresa em questão. Quando se utiliza o WACC para novos projetos que a companhia avalia entrar ou não, é necessário ter muito cuidado ao se utilizar o WACC como taxa de desconto para os fluxos deste projeto. Há diversas premissas envolvidas, sendo que as duas principais são: (i) o risco do projeto deve ser bastante semelhante ao risco da empresa como um todo, e (ii) a estrutura de capital que financiará este projeto deve ser espelhada na estrutura de capital da empresa. Em muitas ocasiões, já pude observar projetos que não respeitavam (ao menos) uma dessas premissas e, mesmo assim, o WACC era (equivocadamente) utilizado.

6) Uma metodologia alternativa ao WACC na avaliação de negócios, projetos ou ativos é o Fluxo de Caixa Livre ao Acionista (FCLA). Ao contrário do WACC, que assume a avaliação sob a perspectiva dos ativos de uma empresa, a técnica do FCLA trabalha com o dinheiro que vai efetivamente para o bolso do acionista e, então, avalia o valor presente deste fluxo para o acionista, ou seja, para o dono do negócio. Ao se utilizar essa metodologia, que é, aliás, bastante frequente e muitas vezes mais simples que o WACC, percebo um erro muito, mas muito comum mesmo. O erro diz respeito ao cálculo do custo de capital próprio, ou seja, da taxa de desconto a ser utilizada para descontar a valor presente o fluxo de caixa livre ao acionista. Não importa o modelo que você utiliza, o erro é o mesmo e vamos a ele!

O custo de capital próprio precisa se adequar à realidade brasileira, pois aqui investimentos são tributados, mas dividendos não o são. Assim, por exemplo, a taxa livre de risco (CDI ou SELIC) quando imputada em qualquer modelo de custo de capital próprio (como, por exemplo, o mais simples de todos: CAPM) precisa ser multiplicada por 0,85 – para incorporar que o investidor pagará 15% de imposto (alíquota de longo prazo). O mesmo, claro, se daria com o prêmio de risco. Ao utilizar a técnica do Fluxo de Caixa Livre ao Acionista (portanto, pós-IR), é importante reduzir o custo de capital próprio por este fator, dado o benefício fiscal do dividendo em nosso país. Ao não fazer isso, a análise tende a enxergar projetos de investimento com um viés artificialmente negativo. Ao incorporar o benefício fiscal do dividendo, o custo de capital próprio se reduz, o que aumenta a atratividade de investimentos.

Os livros não incorporam isso porque seguem o padrão dos EUA, onde dividendos são taxados normalmente. O benefício fiscal do dividendo existe aqui, mas não lá. Por esse motivo, não podemos pegar tudo que está nos livros (em Finanças, a maioria esmagadora vem dos EUA) e aplicar diretamente aqui no Brasil. É preciso saber a teoria para adaptá-la, quando necessário, à prática!

CONCLUSÃO

Se a sua empresa comete alguns (ou todos!) dos erros apontados acima, leve este texto ao conhecimento de todos para que as análises sejam feitas, a partir de agora, corretamente..Autor Carlos Heitor Campani Professor, Pesquisador, Consultor e Autor na área de Investimentos, Previdência, Finanças Pessoais e Finanças Corporativas.. leia mais em Valor Investe 20/04/2023